A LOGÍSTICA REVERSA E AS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS

A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305/2010, veio complementar lacuna da Lei nº 11.445/07, Lei da Política Nacional de Saneamento Básico quanto a detalhar o gerenciamento dos resíduos sólidos. A Lei da PNRS traz, como o marco legal dos resíduos sólidos, os princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes para a gestão integrada dos resíduos sólidos, inclusive os perigosos, e estabelece as responsabilidades dos geradores e do poder público, bem como regulamenta os instrumentos econômicos aplicáveis.

Mas, a grande novidade trazida pela Lei da PNRS foi a logística reversa, que foi assim conceituada:

“instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado
por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta
e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial,
para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos,
ou outra destinação final ambientalmente adequada”

O art. 33 da Lei estabelece que são obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de embalagens de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes e suas embalagens, lâmpadas e produtos eletroeletrônicos e seus componentes.

O parágrafo primeiro desse artigo estendeu a obrigação para os importadores, fabricantes, distribuidores e comerciantes de produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aos demais produtos e embalagens; de sorte que hoje praticamente todas as embalagens de plástico, papel, papelão e vidro estão sujeitas à logística reversa.

O que se percebe, no entanto, seja por dolo, assumindo o risco de sua conduta, seja por ignorância ou incapacidade financeira, é que alguns importadores, fabricantes e distribuidores não aderiram aos sistemas de logística reversa existentes ou deixaram de implantar sistemas próprios visando ao cumprimento da lei.

Essas empresas precisam atentar para as consequências de não cumprirem o disposto no artigo 33 da Lei da PNRS, ou seja, de não implementarem, ou de não integrarem, um sistema de logística reversa de produtos e embalagens pós consumo. O sistema constitucional brasileiro de proteção ao meio ambiente instituiu a tríplice responsabilidade ao estabelecer no § 3º do art. 225 da Constituição Federal que:

Essa responsabilização tríplice também está prevista na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98). Estabelece o art. 3º que:

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Assim, as empresas estão sujeitas a responderem pelo dano ambiental tanto na esfera administrativa, e ficar sujeita a pena de multa, na esfera criminal, e nesse caso podendo ser em coautoria com seus administradores, e na esfera cível para a efetiva reparação do dano caso este já não tenha sido objeto da ação penal.

Aqui procuraremos tratar apenas das infrações administrativas relativas à logística reversa. A Lei nº 9.605/98 trata dos crimes e das infrações administrativas ambientais. Já o Decreto nº 6.514/2008 dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente especificando as condutas consideradas infrações ambientais.

Esse decreto foi modificado pelo Decreto nº 10.936/2022 para inserir condutas próprias da logística reversa.
Nesse aspecto, “considera-se infração administrativa ambiental, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.

As sanções previstas para as condutas infracionais ambientais são:

  • I – advertência;
  • II – multa simples;
  • III – multa diária;
  • IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos
  • e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de
  • qualquer natureza utilizados na infração;
  • V – destruição ou inutilização do produto;
  • VI – suspensão de venda e fabricação do produto;
  • VII – embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;
  • VIII – demolição de obra;
  • IX – suspensão parcial ou total das atividades; e
  • X – restritiva de direitos

As infrações que interessam ao nosso tema estão previstas no incisos VI, XII, XIII e XV e § 2º, do artigo 62 do Decreto nº 6.514 de 22/07/2008.

A conduta do inciso VI, vem estabelecida da seguinte forma:

“deixar, aquele que tem obrigação, de dar destinação ambientalmente
adequada a produtos, subprodutos, embalagens, resíduos ou substâncias
quando assim determinar a lei ou ato normativo”

Como se vê, o núcleo da infração é deixar de dar destinação ambientalmente adequada a produtos, subprodutos, embalagens, resíduos ou substâncias na forma prevista em lei ou em ato normativo, como uma Resolução CONAMA, por exemplo.

Destinação ambientalmente adequada, segundo disposto na Lei nº 12.305/2010, é a “destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos.”

Essa mesma lei estabelece que logística reversa é um “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”.

Assim, o reaproveitamento de resíduos no próprio ciclo ou em outros ciclos produtivos nada mais é do que a sua reutilização; e, quando esse resíduo pós consumo é alterado em sua propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos, se tem a reciclagem.

A logística reversa é um dos instrumentos de destinação ambientalmente adequado dos resíduos sólidos.

Nesse passo, os importadores, fabricantes, distribuidores e comerciantes elencados no art. 33, da Lei nº 12.305/2010, bem como em decretos federais e atos normativos expedidos por órgãos federais integrantes do SISNAMA, deixarem de integrar um modelo coletivo de logística reversa ou deixarem de implementar um sistema próprio incorrerão na conduta infracional prevista no inc. VI, do artigo 62, do Decreto nº 6.514 de 22/07/2008.

Outra infração de interesse para este estudo é a prevista no inc. XII do Dec. nº 6.514/2008:

“descumprir obrigação prevista no sistema de logística reversa implementado nos termos
do disposto na Lei nº 12.305, de 2010, em conformidade com as responsabilidades
específicas estabelecidas para o referido sistema.”

A conduta, neste caso descumprir obrigação prevista no acordo setorial, na Resolução CONAMA ou no decreto que instituiu o respectivo sistema de logística reversa estando a empresa aderente ao um sistema coletivo de logística reversa ou em seu próprio sistema de logística reversa.

Cabe registrar, nesse aspecto, que não basta a simples adesão da empresa a um sistema de logística reversa para se adequar à legislação. Deve, necessariamente, cumprir todas as obrigações inerentes ao sistema, tais como a correta declaração da massa de produto ou embalagens colocadas no mercado sobre a qual incidirá a meta de recuperação estabelecida ou o cumprimento do prazo estabelecido para a apresentação dos resultados de atingimento das metas de recuperação.

Outra conduta infracional prevista é:

“deixar de segregar resíduos sólidos na forma estabelecida para a coleta seletiva,
quando a referida coleta for instituída pelo titular do serviço público de
limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.”

O disposto no § 2º, do art. 9º, do Decreto nº 11.413/2023, permite que projetos estruturantes recebam materiais do sistema público de coleta seletiva para que as empresas investidoras possam cumprir suas metas de logística reversa com qualquer tipo de material, independentemente daquele que colocou no mercado, fazendo uso dos Certificados de Estruturação e Reciclagem em Geral – CERE. Nesse caso, aqueles que atuam diretamente com o recebimento de materiais da coleta seletiva, normalmente cooperados de cooperativas de catadores de materiais recicláveis, devem ficar atentos aos regramentos estabelecidos pelo município para a segregação dos mesmos para que não incorram na infração ambiental. O descumprimento das regras municipais para a forma de segregamento dos resíduos coletas poderá implicar na imposição de uma sanção.

Ainda sobre a operacionalização da logística reversa, é a conduta descrita no inciso XV do Decreto nº 6.514/2008:

“deixar de atualizar e disponibilizar ao órgão municipal competente e a outras
autoridades informações completas sobre a execução das ações do
sistema de logística reversa sobre sua responsabilidade.”

Procurou-se, com isso, trazer credibilidade às informações prestadas pelos responsáveis pela implantação e operacionalização da logística reversa aos órgãos ambientais.

As empresas aderentes a um sistema de logística reversa devem prestar informações precisas aos órgãos de fiscalização, sejam federal, estaduais ou municipais, sob pena de todo o sistema previsto na Lei da PNRS ser um fracasso.

Não por isso, ao regulamentar a Lei nº 12.305/2010 por meio do Dec. nº 10.936/2022, o executivo nacional inseriu o § 2º, no artigo 15 dispondo que:

“Além das informações sobre o transporte de resíduos, os responsáveis pelos sistemas de logística reversa integrarão e manterão atualizadas as informações, entre outras solicitadas pelo Ministério do Meio Ambiente, sobre:
I – a localização de pontos de entrega voluntária;
II – os pontos de consolidação; e
III – os resultados obtidos, consideradas as metas estabelecidas.”

Deve-se atentar, que não são somente essas três informações que os obrigados a implantar e operacionalizar um sistema de logística reversa têm. O decreto é bastante claro ao estabelecer que além das contidas nos incisos do artigo e às referentes ao MTR, previstas no caput, serão obrigado a prestar “outras solicitadas pelo Ministério do Meio Ambiente”. Assim, deverão ser fiéis nas informações e nos prazos estabelecidos nos acordos setoriais e em outras informações exigidas pelo Ministério do Meio Ambiente que porventura venham a ser estabelecidas.

Para os consumidores também foi prevista uma conduta tida como infração ambiental. É o que dispõe o § 2º, do art. 62, do Dec. nº 6.514/2008:

“Os consumidores que descumprirem as obrigações previstas nos sistemas de
logística reversa e de coleta seletiva ficarão sujeitos à penalidade
de advertência”

A Lei da PNRS estabelece no art. 33, § 4º que:

Os consumidores deverão efetuar a devolução após o uso, aos comerciantes ou
distribuidores, dos produtos e das embalagens a que se referem os
incisos I a VI do caput, e de outros produtos ou embalagens objeto
de logística reversa, na forma do § 1º.

A forma de devolução das embalagens pelos consumidores deve ser estabelecida nos acordos setoriais, mas normalmente são a segregação adequada dos resíduos sólidos recicláveis e sua disponibilização para o sistema de coleta seletiva ou sua entrega em pontos de entrega voluntária existentes nos estabelecimentos comerciais integrantes do sistema de logística reversa.

As sanções previstas pela prática das infrações mencionadas nos incisos VI, XII, XIII e XV e § 2º, do artigo 62 do Decreto nº 6.514 de 22/07/2008, segundo estabelecido no caput do art. 62, é a multa.

Há dois tipos de multa, a simples e a diária. A multa diária será aplicada sempre que a infração se prolongar no tempo, como, por exemplo, a recusa da empresa de aderir a um sistema de logística reversa ou de implantar um sistema próprio a despeito da existência de determinação legal.

O valor da multa pode variar entre R$ 50,00 (cinquenta reais), no mínimo, e R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões), no máximo.

Sendo reincidente, ou seja, cometer nova infração, no período de cinco anos contados da autuação da infração anterior, implicará na aplicação de multa em triplo do valor, no caso de cometimento de mesma infração, ou de multa em dobro, no caso de cometimento de infração distinta (art. 11, do Dec. nº 6.514/2008).

O agente autuante, que no caso da União pode ser um agente do IBAMA, levará em conta, para fins de aplicação do valor da multa, a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente; os antecedentes do infrator, quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; e a situação econômica do infrator (art. 4º, incs. I a III, do Dec. nº 6.514/2008).

Já para o consumidor, a sanção prevista é a advertência e, em caso de reincidência, multa que poderá variar de R$ 50,00 (cinquenta reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais).

Diferentemente da responsabilidade civil ambiental, que é objetiva e solidária, a natureza da responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva, ou seja, depende da demonstração do dolo ou culpa do autor da conduta e, não sendo solidária, só se aplica àquele que efetivamente praticou a conduta tida com infração, não se estendendo automaticamente a terceiros envolvidos indiretamente no fato.


José Eduardo Ismael Lutti. Advogado e ex-membro do Ministério Público do Estado de São Paulo